segunda-feira, 16 de agosto de 2010
A Justiça brasileira e os genéricos
Ao determinar no final de abril a derrubada da patente do Viagra, garantir o domínio público de sua fórmula e autorizar os laboratórios a fabricar genéricos com base nela, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estimulou o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) a pedir-lhe que julgue em bloco as ações judiciais relativas a 37 outros medicamentos - a maioria utilizada em transplantes e tratamentos de câncer, diabetes, depressão, leucemia, úlcera gastrointestinal, dores musculares e doenças cardíacas.
A discussão sobre o prazo de validade da patente do Viagra, que vende mais de 2,9 milhões de unidades por ano apenas no Brasil e foi o 11.º medicamento mais comercializado no País, no ano passado, começou por causa da data do registro da fórmula feita pela Pfizer. Ela o registrou em 20 de junho de 1990, na Inglaterra, e em 7 de junho de 1991 depositou outra patente. Como a legislação brasileira permite que um laboratório explore um medicamento no mercado por 20 anos, a Pfizer alegou que a patente do Viagra só expiraria em 2011. Mas, para as indústrias farmacêuticas brasileiras que produzem genéricos e para o Inpi, o prazo teria de ser calculado a partir do primeiro registro - vencendo, portanto, em 2010.
Última instância da Justiça Federal, o STJ deu ganho de causa aos laboratórios produtores de genéricos, negou o pedido de prorrogação da patente encaminhado pela Pfizer ao Inpi e não aceitou o argumento dos advogados da empresa, de que a contagem do prazo a partir do segundo registro era decisiva para assegurar o retorno do investimento realizado no desenvolvimento do Viagra, que no Brasil propicia ao laboratório faturamento anual de R$ 160 milhões.
Em dezembro do ano passado, a 3.ª Turma do STJ já havia adotado a mesma posição, por unanimidade, no caso do Diovan, um remédio para hipertensão produzido pela Novartis. O faturamento do laboratório com esse medicamento é de R$ 200 milhões por ano. Também aí existiam dois registros, um depositado na Suíça e outro, na Convenção de Paris. Como a Pfizer, a Novartis também contava o prazo de exclusividade a partir da data mais recente. No entanto, ao julgar um recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelos laboratórios brasileiros que produzem genéricos, o STJ impôs a data mais antiga e assegurou o domínio público da fórmula.
Outra ação judicial semelhante foi a que envolvia o Seroquel, medicamento usado para tratamento de depressão e de esquizofrenia. Originalmente, a patente expirava em 2006, mas o laboratório AstraZeneca também invocou outros registros e pediu a contagem do prazo de 20 anos com base na data do registro mais recente. Pelas contas da Pró Genéricos, a associação de fabricantes brasileiros de medicamentos genéricos, esse remédio propicia ao fabricante um faturamento anual de R$ 150 milhões. Como o pedido de prorrogação não foi aceito, a empresa produtora obteve uma liminar, que acaba de ser cassada. O laboratório anunciou que irá recorrer novamente, apesar de as decisões mais recentes da última instância da Justiça Federal terem acolhido os argumentos dos procuradores do Inpi e dos advogados da AGU.
Pela legislação em vigor, os remédios genéricos têm de custar pelo menos 35% menos do que os medicamentos de marca. Se para os produtores brasileiros de genéricos a expiração das patentes abre um mercado bastante rentável, para os laboratórios multinacionais a imposição do domínio público após 20 anos de exclusividade representa uma significativa queda de faturamento. Segundo o procurador-chefe do Inpi, Mauro Sodré Maia, o órgão vai pedir ao STJ antecipação do julgamento de todos os remédios cuja patente está sub judice. E também vai invocar a economia que os genéricos propiciam para os consumidores e para o País como justificativa para que o STJ julgue de uma só vez, em bloco, o fim da patente de 37 medicamentos de uso contínuo. "São ações importantíssimas, que podem trazer uma economia muito grande. Quanto mais rápido os pedidos forem analisados pela Corte, maior a economia", diz ele. Pelas decisões recentes do STJ, não será fácil para os laboratórios manter a patente desses remédios.