terça-feira, 17 de agosto de 2010

Combate à Aids avança como negócio

Salim Abdool Karim foi aplaudido de pé na Conferência Internacional sobre a Aids realizada em Viena no mês passado, quando este médico sul-africano anunciou que um gel vaginal reduziu em mais da metade o risco de transmissão do HIV por via sexual para as mulheres. O avanço foi recebido como um grande avanço para as populações pobres de todas as partes do mundo.

O desenvolvimento bem sucedido do primeiro agente de proteção contra o vírus depois de anos de fracassos, não teria sido possível sem a cooperação da Gilead Sciences de Foster City, da Califórnia, a principal fabricante de alguns dos medicamentos de combate à Aids mais caros do mundo. A Gilead, que obteve vendas de quase US$ 6 bilhões com medicamentos de combate à Aids em 2009, doou o principal ingrediente do gel, vendido nos Estados Unidos como uma pílula chamada Viread, e concedeu uma licença livre de royalties para a Conrad, uma organização sem fins lucrativos voltada para a saúde reprodutiva que pretende distribuir o produto na África.

As companhias farmacêuticas, antes criticadas de negligentes ou gananciosas por cobrarem milhares de dólares por um ano de tratamento da Aids com medicamentos como o Viread em países pobres, estão reduzindo os preços e licenciando seus medicamentos gratuitamente ou a custos nominais para organizações sem fins lucrativos e fabricantes locais de países em desenvolvimento. Ativistas afirmam que essa generosidade é em parte uma tentativa de evitar uma repetição da reação de relações públicas que as companhias tiveram de enfrentar uma década atrás, depois de colocarem inicialmente preços nos medicamentos que apenas pacientes dos países ricos podiam arcar.

Além disso, uma rede de agência de combate à Aids e fabricantes de medicamentos locais existe para cuidar da produção e distribuição dos compostos - coisa que muitas companhias dos mercados desenvolvidos não querem fazer por causa dos custos e problemas de transporte. "É uma mudança extraordinária", diz Mitchell Warren, um ativista no combate à Aids de New York, que observa que dez anos atrás as companhias farmacêuticas afirmavam que as pessoas infectadas na África não eram confiáveis para receber regimes complicados de administração de medicamentos a qualquer preço.

Há dois anos, a Pfizer concedeu uma licença gratuita a um grupo sem fins lucrativos para o desenvolvimento do seu medicamento contra a Aids, o Selzentry, para o uso em outro gel experimental. No mês passado, uma subsidiária da GlaxoSmithKline (GSK) disse que vai conceder licenças sobre alguns dos medicamentos contra a Aids que está desenvolvendo para 60 dos países menos desenvolvidos do mundo, onde vivem 80% das pessoas do planeta que têm Aids.

Na conferência sobre a Aids realizada em Viena, a Unitaid, organização sem fins lucrativos, disse que está discutindo a criação de um "pool de patentes" com a Gilead, Merck e Johnson & Johnson, para o licenciamento de medicamentos em desenvolvimento para fabricantes de genéricos que possam vender os medicamentos a preços menores que os possíveis para as grandes farmacêuticas. "Estamos conversando sobre como as companhias vão participar, e não se elas vão participar", diz Ellen ' t Hoen, diretora-executiva da Unitaid.

Os fabricantes de medicamentos contra a Aids são pressionados a aumentar o acesso do Terceiro Mundo aos seus produtos desde a realização de encontro internacional para discutir a Aids em Durban, África do Sul, em 2000. Dois anos depois, o ex-presidente americano George W. Bush comprometeu-se a fornecer antiretrovirais para 2 milhões de pessoas infectadas pelo vírus da Aids na África e Caribe, como parte de sua iniciativa de US$ 15 bilhões de combate à doença, criando um mercado potencialmente lucrativo para os fabricantes de baixos custos.

Em 2005, a fundação de Bill Clinton intermediou descontos com fabricantes de genéricos na Índia, que reduziram o custo dos tratamentos de drogas combinadas, que podem chegar a milhares de dólares por ano no Ocidente, para até US$ 120 por paciente por ano. Com a queda dos preços, a demanda aumentou, rendendo economias de escala que ajudaram a reduzir mais os preços, diz Michael Kazatchkine, diretor-executivo do Global Fund to Fight HIV/Aids, Tuberculosis and Malaria.

Ao licenciar os medicamentos para que eles sejam produzidos por terceiros nos países e desenvolvimento, as grandes farmacêuticas conseguem publicidade positiva por ajudarem os pobres, sem serem forçadas a distribuir os medicamentos com grandes descontos sobre os preços vendidos nos países ricos. As pílulas de preços mais baixos precisam ser vendidas em tamanhos, cores e formas diferentes, o que reduz dramaticamente a possibilidade de elas serem vendidas na Europa ou nos Estados Unidos, através do mercado negro, ou competir com medicamentos vendidos a preços plenos.