segunda-feira, 16 de agosto de 2010
CFM desiste de restringir viagens de médicos pagas por laboratórios
Conciliador. Roberto D' Ávila, presidente do conselho, pretende evitar abusos "na base do convencimento, da argumentação"
O Conselho Federal de Medicina (CFM) desistiu de fazer uma resolução para restringir a ida de médicos a eventos científicos com o patrocínio da indústria farmacêutica. A regulação específica do tema poderia gerar punições, entre elas até a cassação do médico que a desrespeitasse. Um eventual acordo com a indústria farmacêutica também foi protelado para mais discussões.
"Não queremos resolução proibindo. Seria difícil fiscalizar. Queremos agir na base do convencimento, da argumentação", afirmou o presidente do CFM, Roberto D" Ávila.
No fim de junho, ao anunciar a promessa, D" Ávida disse a um jornal que a restrição, especialmente para viagens de médicos que não vão apresentar trabalhos científicos, era um caminho sem volta. Afirmou ainda que, se não ocorresse acordo com a indústria, a medida seria feita via resolução e prometeu apresentar a proposta no dia 16 de julho.
A ideia, afirma agora o presidente do CFM, é buscar um "termo de ajustamento de conduta" com a indústria para evitar situações como a viagem patrocinada de profissionais que não apresentam trabalhos científico nos eventos. Os médicos, no entanto, não poderão ser punidos com base nesse termo.
Segundo a reportagem apurou, houve forte reação de médicos, especialmente da Associação Médica Brasileira (AMB), e da indústria promotora de eventos. Mesmo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - que tentou recentemente disciplinar a relação entre laboratórios e médicos - tem se manifestado reservadamente contra a medida, por considerar que ela limita as possibilidades de atualização científica.
O presidente da AMB, José Luiz Gomes do Amaral, passou a divulgar as regras já existentes da Associação Médica Mundial para os congressos médicos, que permite as viagens patrocinadas para fins científicos, sem diferenciar palestrantes e ouvintes, mas veta patrocínios em dinheiro vivo e a extensão de benefícios a parentes.
Adiamento. A definição do eventual acordo ou ajustamento de conduta foi protelada. Segundo D" Ávila, foi criada uma comissão com nomes do CFM, da indústria farmacêutica, do Conselho Federal de Farmácia e da Anvisa para discutir o tema. "A ideia é, depois de poucas reuniões, termos um protocolo e anunciá-lo solenemente", prometeu o presidente do conselho.
Antônio Britto, presidente da Interfarma, associação que reúne os grandes laboratórios farmacêuticos multinacionais, compareceu ao CFM em 16 de julho para falar da proposta. "Aparentemente está todo mundo convencido da impossibilidade da proibição de que o médico fale com a indústria. A troca de informações é importante para ambos", disse sobre o encontro.
"Outra convicção é de que os congressos ficariam inviabilizados sem o patrocínio. A questão é como ele pode se dar", afirmou o dirigente, que apresentou o código de conduta das indústrias. Segundo destacou Britto, o próprio código da indústria, que é de 2008, já diz que os patrocínios só podem ser para viagens de cunho científico e não pode haver apoio para as viagens de parentes e amigos.
Já houve punições a empresas farmacêuticas que desrespeitaram o código de ética (mais informações nesta página).
PARA LEMBRAR
Falta de ética já motivou punição
Pelo menos duas grandes empresas farmacêuticas multinacionais já descumpriram desde 2008 seu próprio código de conduta no Brasil, infringindo regras para o patrocínio a eventos científicos. Os dados são da própria Interfarma.
Segundo o advogado Ronaldo Pires, em um dos casos o material científico estava inadequado. Em outro, houve "supervalorização da parte turística do evento". Uma recebeu advertência, divulgada para as outras empresas, e a segunda, multa de R$ 5,5 mil.