O empresário Carlos Sanchez, dono da EMS, da Germed Pharma e da Legrand, criou um império no setor farmacêutico a partir dos medicamentos sem marcas
Quando era garoto, o empresário Carlos Sanchez pegava o ônibus em Santo André, na região do ABC paulista, para adquirir remédios na Drogasil, que operava uma área de atacado de medicamentos na época. Desde muito cedo, Sanchez ajudava seu pai, Emiliano Sanchez, a tocar o negócio da família, a Farmácia Santa Catarina, criada em meados da década de 1950.
Algumas décadas depois, o jogo mudou: atualmente, é a Drogasil quem compra do antigo cliente. “Ele se transformou em um dos nossos principais fornecedores”, afirma Cláudio Roberto Ely, presidente da Drogasil, hoje uma das principais redes de farmácia do Brasil.
Aos 49 anos de idade, Sanchez, o filho do pequeno farmacêutico, transformou-se simplesmente no todo-poderoso dono do maior grupo fabricante de medicamentos genéricos do Brasil, com 40% de participação de mercado. Somadas, suas três empresas – EMS, Germed Pharma e Legrand – vendem mais de R$ 4 bilhões por ano, incluídos os medicamentos de marca.
“Estamos dobrando de tamanho a cada três anos. Mas estou bravo. Eu quero mais”, disse Carlos Sanchez, com exclusividade à DINHEIRO. “Quero ser o primeiro laboratório multinacional do Brasil.” Hoje, a EMS já exporta para 32 países, mas 95% de sua receita vem das vendas no mercado nacional.
Na semana passada, a EMS, maior empresa do grupo de laboratórios de Sanchez (ele ainda é dono da incorporadora de imóveis ACS), mostrou como chegar lá. A companhia, que só ganhou projeção nacional nos últimos dez anos, após a aprovação da lei de genéricos, anunciou que vai construir três novas fábricas, em um investimento de R$ 360 milhões, até 2012.
Os locais escolhidos são Brasília (DF), Manaus (AM) e Jaguariúna (SP). Mais R$ 140 milhões vão ser investidos na ampliação e na compra de equipamentos para a atual planta ind ustrial de Hortolândia, no interior paulista, a 115 quilômetros da capital, onde está localizada a sede da EMS.
Com as novas plantas, a capacidade de produção da companhia, que é de 480 milhões de unidades por ano, vai crescer 40%. O número de empregos diretos gerados será de 750 pessoas, que se somarão aos atuais 4,5 mil funcionários.
Com um faturamento de R$ 3,4 bilhões em 2010, crescimento de 38% em relação ao ano anterior, a EMS é a joia da coroa do grupo de Sanchez. “No Exterior, todos perguntam sobre a EMS”, diz o vice-presidente de uma multinacional do setor farmacêutico. Mas não foi sempre assim.
Economista de formação, Sanchez cresceu dentro da farmácia e do pequeno laboratório de medicamentos, criado pelo pai em 1964, já batizado de EMS. Aos 26 anos, no final da década de 1980, o destino pregou-lhe uma peça inesperada: o patriarca Emiliano morreu e ele teve de assumir os negócios da família.
Seis meses antes, Sanchez tinha vivido outro drama pessoal: a morte prematura de sua mulher. Com muitas dívidas e os juros acima dos 60% ao mês (era a época da hiperinflação do governo Sarney), ele diz ter tomado a decisão mais arriscada de sua vida: vendeu todos os bens da família, inclusive o imóvel onde estava localizada a farmácia que deu origem à EMS, para pagar as dívidas e não deixar a empresa perecer
“O Carlinhos sempre dizia: um dia vamos ser grandes”, afirma Luiz Borgonovi, funcionário da EMS há 43 anos e seu atual presidente, que conhece Sanchez desde garoto. “Ele sempre teve essa determinação.”
O grande desafio da EMS, que foi pioneira no setor de remédios genéricos no Brasil, é alcançar isoladamente a liderança no segmento que ajudou a desenvolver no País. A também brasileira Medley, comprada pelo grupo francês Sanofi-Aventis por R$ 1,5 bilhão, em abril de 2009, lidera nessa área com 32,67% de participação.
Sua vantagem sobre a empresa de Sanchez, no entanto, foi de exato 0,58 ponto percentual em 2010, de acordo com a consultoria americana IMS Health. Considerando, porém, o trio de laboratórios controlados por Sanchez, a hegemonia é claramente de seu grupo.
Antigas divisões da EMS, a Germed Pharma e a Legrand foram transformadas em laboratórios independentes, em 2008. No ano passado, a Germed Pharma conquistou 5,69% de participação de mercado, constituindo-se a quinta companhia que mais vendeu remédios genéricos no Brasil.
A Legrand detém 1,6%. “Para nós é melhor que a briga seja entre irmãos”, diz Reinhard Nordmann, presidente da Legrand. Na lógica de Sanchez, as carreiras separadas da Germed e da Legrand ajudam a defender a posição da EMS no segmento de genéricos. “Se for para perder mercado, que seja para mim mesmo”, disse Sanchez.
A disputa entre EMS e Medley é antiga. A empresa de Sanchez foi a primeira a lançar um remédio genérico no mercado brasileiro, em março de 2000. A rival chegou com o seu produto dois meses depois, lembra Jairo Yamamoto, ex-presidente da Medley.
Desde então, as duas companhias brigam pela liderança no segmento. A meta da EMS é superá-la em 2011. Mas não será uma tarefa simples. A Medley está investindo US$ 45 milhões em sua terceira unidade fabril. A proximidade da EMS com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual mostra que a empresa não está dormindo no ponto.
Um dos trunfos da EMS é a sua agilidade, agressividade e disposição para o confronto, atributos considerados incomuns no mercado farmacêutico, sempre muito político, e que costuma evitar conflitos na Justiça.
Esse não é o caso de Sanchez, considerado por um executivo do setor, que prefere não se identificar, um empresário “visionário e extremamente competitivo”. A EMS é também pioneira em atuar de forma coordenada nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, regulatória e jurídica.
Quatro anos antes de uma patente farmacêutica perder a validade, a equipe de Sanchez começa as pesquisas para produzir a cópia da molécula. Os profissionais da área regulatória também preparam todos os documentos para que o genérico desse medicamento possa ser submetido à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
E os advogados ficam de prontidão para garantir o lançamento do produto no mercado. Observe a disputa da EMS para lançar o genérico do Lipitor, produto da Pzifer para controle de colesterol, cuja patente expirou há dois anos.
A farmacêutica brasileira envolveu-se em uma briga na Justiça para lançar a sua cópia em 2010. A Pzifer depositou a primeira patente do Lipitor, em 1989, nos EUA. Como a validade é de 20 anos, ela devia expirar em 2009.
Mas a companhia americana havia conseguido uma revalidação da patente, usando como argumento outra patente, que havia sido depositada mais tarde. A EMS ganhou uma liminar no Tribunal Regional Federal da 2ª Região do Rio de Janeiro, com a alegação de que a segunda patente era apenas uma continuação da original.
Dessa forma, derrubou a restrição para a venda. Vinte dias depois, o Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) venceu uma ação na Justiça, que permitiu a fabricação de versões do Lipitor por qualquer laboratório no Brasil. “Nosso ramo virou mais jurídico do que farmacêutico”, afirma Sanchez. E adivinhe quem estava na primeira fila, pronta para lançar o genérico do Lipitor?
Em outra movimentação que mostrou sua agilidade, a EMS foi a primeira a lançar a cópia do Viagra, medicamento para combater a disfunção erétil, em junho de 2010. O genérico Citrato de Sildenafila, nome do princípio ativo, chegou às prateleiras das farmácias brasileiras um dia depois da expiração da patente.
Ser o primeiro a colocar um medicamento no mercado se transformou em um mantra na EMS. “Ninguém lembra do segundo beijo ou da segunda namorada”, afirma Waldir Eschberger Jr., vice-presidente de mercado da EMS, que integra grupo de executivos recrutados em multinacionais nos últimos dois anos. A estratégia parece ter sido acertada.
Em seis meses, o comprimido trouxe R$ 80,5 milhões aos cofres da EMS. Em dezembro de 2010, 1,7 milhão de unidades da cópia da EMS foram vendidas no varejo brasileiro. A Pfizer, dona do produto de referência, comercializou menos de um terço do resultado da EMS.
O sucesso do grupo de Sanchez, paradoxalmente, está contribuindo para que a competição esteja ficando cada vez mais acirrada na área de genéricos. As multinacionais farmacêuticas – que davam pouca atenção ao fenômeno dos produtos sem marca –passaram a focar esse mercado..
E começaram a se mexer, adquirindo laboratórios nacionais. No último trimestre do ano passado, a Pfizer pagou R$ 400 milhões por uma fatia de 40% do brasileiro Teuto. “A Teuto terá maior capacidade de alavancar nosso negócio do genérico”, disse Gustavo Petito, diretor de planejamento de negócios da Pfizer “O mercado farmacêutico está virando uma commodity”, afirma Marcos Macedo, diretor da área de consultoria para a América Latina da IMS Health. “As multinacionais têm um grande desafio pela frente.”
É fácil entender o recente interesse dessas empresas pelo mercado de genéricos no Brasil. No ano passado, a venda desse tipo de medicamento aumentou 38% no País, de acordo com a Pró Genéricos. As receitas atingiram R$ 6,2 bilhões, 21% dos R$ 36 bilhões movimentados pela indústria farmacêutica no País. “Nos EUA, os genéricos representam 60% das vendas em volume porque os consumidores já têm confiança no produto”, afirma Bruno Sávio, analista da indústria farmacêutica da Lafis Consultoria.
“O Brasil ainda tem muito para caminhar.” Como líder neste segmento, é de se esperar que a EMS seja objeto do desejo de laboratórios internacionais que queiram crescer rapidamente no mercado local.
Se depender de Sanchez e seu time, quem bater na porta do QG da empresa, em Hortolândia, deve voltar de mãos abanando. “Não estamos à venda, somos consolidadores de mercado”, diz o vice-presidente Eschberger.
Colaborou Érica Polo
“Quero ser a primeira multinacional farmacêutica brasileira”
O presidente do Conselho de Administração da EMS, Carlos Sanchez, concedeu esta rara entrevista à DINHEIRO:
O Sr. imaginava que um dia a EMS seria a maior empresa farmacêutica do Brasil?
Claro que não, mas sonhava em ser grande.
Qual foi o momento mais difícil?
Foi quando meu pai morreu e tive de assumir a empresa com 26 anos. Eu havia ficado viúvo seis meses antes. Estávamos endividados e pagando juros de 65% ao mês. Vendi todo o patrimônio da família – sítios, fazendas, imóveis e até a farmácia onde começamos. Tudo para investir na empresa.
E quando a sorte começou a mudar?
Foi com a lei dos medicamentos genéricos. A partir daí, começamos a ter visibilidade.
A EMS foi a primeira empresa a investir em genéricos no Brasil. Como se preparou para isso?
Quando a lei de patentes foi aprovada, na década de 1990, ficou claro que algo iria mudar. Comecei, nessa época, a investir em bioequivalência. Com a lei dos genéricos em 1999, estávamos prontos para disputar esse mercado.
Além da EMS, o sr. é dono de duas outras empresas de genéricos: a Germed e a Legrand. Por quê?
Se for para perder mercado, melhor que seja para mim mesmo.
Quais são seus próximos planos?
Estamos dobrando de tamanho a cada três anos. Mas estou bravo. Eu quero mais. Estamos no caminho certo, mas não somos o maior grupo farmacêutico (somadas, a Sanofi e a Medley são maiores que a EMS). Temos a missão de ser até 2013. Quero também ser a primeira multinacional farmacêutica brasileira
fonte: Istoé Dinheiro