segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Brasil é ágil em marcas, mas lento em patentes
Fonte: DCI – SP
Está mais rápido registrar uma marca no Brasil. O período para concluir o processo, que levava cerca de seis anos, atualmente caiu para dois, afirma o advogado Paulo Roberto Toledo, presidente da Toledo Corrêa Marcas e Patentes, escritório especializado no assunto e um dos pioneiros no segmento na região de Campinas (SP). Segundo ele, o Brasil ocupa papel de destaque mundial neste assunto, pois está entre os cinco países do mundo que mais registram marcas. É o que destaca o especialista, que cita avanços feitos no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) nos últimos anos, como, por exemplo, a realização de concursos para ampliar o seu quadro de funcionários.
Em relação ao registro de patentes no mercado interno, no entanto, o País ainda patina, segundo o advogado. A conclusão do processo pode levar até oito anos, informa o advogado, que aponta o baixo investimento em educação e a ausência de mecanismos de financiamento a inventores independentes como fatores inibidores do desenvolvimento de novas patentes.
Paulo Roberto Toledo ressalta ainda que a expansão da economia mundial e o aumento da procura por registro de patente em regiões emergentes, como o Sudeste Asiático, também contribui para que os atrasos ocorram em escala mundial, havendo processos que levam até sete anos para a conclusão do registro de patentes em regiões como Estados Unidos e Europa.
Formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), ele é membro do comitê da Câmara Americana de Comércio de Campinas (Amcham) que cuida deste tema. O advogado também destaca a tradição do Brasil em propriedade intelectual e cita fatos históricos relacionados ao assunto, e personalidades e suas respectivas invenções, geralmente ligadas à Igreja Católica. Ele deu a entrevista que se segue ao programa "Panorama do Brasil", realizada pelo jornalista Roberto Müller, Theo Carnier, editor-chefe do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.
Roberto Müller: Como o Brasil está lidando com o tema marcas e patentes, e como vai o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que trata do assunto?
Paulo Roberto Toledo: Temos observado o tempo todo que é crescente o número de matérias que versam sobre propriedade intelectual, seja em relação à nova lei dos direitos autorais, seja o contencioso Brasil e Estados Unidos nas retaliações cruzadas, a questão dos medicamentos genéricos. Há uma crescente importância e, ao mesmo tempo, os institutos de pesquisa, as entidades e as empresas estão se preparando cada vez mais, depositando um número crescente de patentes, buscando proteção à propriedade intelectual. Em relação ao Inpi, nós tivemos um período muito difícil de 1999 até quatro anos atrás. O atual presidente do Inpi vem fazendo um trabalho muito bom, ele conseguiu que houvesse concursos para contratação de novos engenheiros de análise de patentes, examinadores de marcas e, com isso, reduziu o atraso. Havia marcas que levavam cerca de seis anos, atraso que vem diminuindo. Se a marca não tiver nenhum problema, não sofrer oposição de um concorrente, ela leva dois anos para ser concedida. A patente leva de cinco a oito anos, o que ainda é muito. Mas na Europa e nos Estados Unidos há um atraso crescente também. A importância da propriedade intelectual vem fazendo com que países, empresas, pesquisadores e universidades busquem essa proteção, o que gera um acúmulo de serviço. Antigamente, uma patente nos Estados Unidos era uma concessão relativamente rápida, de no máximo dois anos, em um sistema diferente do brasileiro. Hoje estão demorando bem mais, e as europeias, exceto quando elas vão com um exame preliminar muito bem feito aqui do Brasil, demoram até sete anos. É um problema mundial: Índia, China, Malásia, Cingapura, China Nacionalista, Taiwan, muitos países do sudeste da Ásia estão cada vez mais depositando patentes. Recebemos em nosso escritório algumas patentes do Ministério de Ciência e Tecnologia da Índia e ficamos surpresos com o número de patentes que eles tinham: quase 3 mil depositadas mundialmente, através da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Temos de buscar disseminar o conhecimento e as formas de proteção à propriedade intelectual para que não sejamos apenas exportadores de commodities, para que passemos a exportar tecnologia com maior valor agregado e possamos evoluir em nosso desenvolvimento.
Theo Carnier: Na prática, como é que se pode dar esse salto? Porque o Brasil ainda está muito em baixo, no ranking.
Paulo Roberto Toledo: De duas formas. Primeiro, desmistificar a questão da propriedade intelectual. Cuba protege a sua propriedade intelectual. Eu tenho certeza de que o charuto Cohiba está protegido, de que as técnicas, os medicamentos, os aparelhos cirúrgicos, quando são novidade em termos mundiais, eu tenho certeza que Cuba protege. Temos de tirar a ideologia da proteção da propriedade intelectual e passar a mapear e proteger a tecnologia nas indústrias e nas empresas. Temos de estimular muito o inventor independente, que não tem nenhum tipo de entidade que o apoie. Se houvesse apoio do Sebrae, ensinando o start-up de pequenos negócios, assim como aquele indiano que criou o Banco do Povo, que estimula pequenos negócios através de empréstimos, eu acredito que a propriedade intelectual se torna uma fonte de riqueza. Mas para isso tem de haver estímulo à proteção, disseminando e facilitando o acesso. Para cientistas e universidades, nós já temos sistemas, como Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que são as áreas governamentais que geram esse tipo de apoio, mas é muito restrito. A indústria também precisa ter o cientista internalizado, a universidade, tê-lo fazendo a aplicação da pesquisa. E o ponto-chave é educação: temos de fazer com que o País realmente invista em colégios técnicos, novas universidades, para que os jovens, quando cheguem aos 15, 17 anos, não tenham como opção ser apenas garçom ou ajudante de pedreiro, para que eles tenham condição de ir a uma universidade ou curso técnico e tenham condições de serem aproveitados. Porque tradição nós temos na questão da propriedade. Se olharmos a nossa história, o padre Bartholomeu de Gusmão foi um inventor famoso, do fim do século XVIII. Temos o padre Roberto Landell de Moura, que foi pioneiro da comunicação sem fio, com patentes concedidas pelos Estados Unidos há mais de um século; o padre Francisco Azevedo, que fez uma máquina de escrever que parecia um piano e que deixou de ir a uma exposição em Londres porque não tinha um apoio. Na época de Dom Pedro, o Brasil foi pioneiro nos tratados internacionais de propriedade intelectual. Dom João VI , quando a Corte Portuguesa fugiu para o Brasil, na abertura aos portos inicia-se uma lei de proteção à propriedade intelectual. Temos tradição, o Brasil é um dos fundadores.
Roberto Müller: Por que essa concentração de padres?
Paulo Roberto Toledo: É uma coisa curiosa, mas eu acredito que tenha a ver com o conhecimento. Existe uma frase de um filósofo famoso que diz: "Conhecimento é poder". E os padres sempre foram educadores, temos essa tradição. Eles criaram as primeiras universidades, as primeiras fundações, os jesuítas eram grandes comerciantes, fizeram a grande primeira empresa globalizada. Quando fui ao México, no primeiro seminário que houve nas Américas, você vê os ladrilhos das Filipinas: a prata saía daqui e ia para a Espanha, os ladrilhos vinham das Filipinas para o México. Eu tinha um professor de Direito Internacional, Guido Soares, que dizia que a Igreja havia sido a primeira grande multinacional, a primeira globalizadora. Tem a ver com isso. Mas se analisarmos a nossa tradição olhando para o padre Bartholomeu de Gusmão, nós vamos ver Santos Dumont. Temos uma tradição de tecnologia nessa área, e tivemos muitos outros inventores na área de aviação; tem muitos outros nomes do início da aviação.
Roberto Müller: Santos Dumont não ficou com a patente nem com a marca.
Paulo Roberto Toledo: Porque ele não partiu para proteção nesse sentido. Mas foi reconhecido mundialmente como um dos pioneiros e um dos grandes inventores na área de aviação. O que nós vemos hoje, em consequência disso, em São José dos Campos, é a vinda do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a criação de um polo de excelência na área de aeronáutica. Quando nós vemos a Embraer e o espaço que ela ocupa, vemos a propriedade intelectual na mais plena acepção: um segredo intelectual sendo protegido, uma marca forte e um produto com muita tecnologia embarcada, que é um avião. Muitos países desenvolvidos, como o Japão, não têm o nível de fabricação de aviões que nós temos.
Roberto Müller: O que é marca, patente e direito autoral? Como se separa uma coisa da outra, e por que o Brasil leva uma surra internacional nessa área?
Paulo Roberto Toledo: Sendo bem didático, propriedade intelectual é como uma árvore. Essa árvore tem os ramos: um é o dos direitos autorais, e o outro é o da propriedade industrial. No ramo dos direitos autorais, temos as obras artísticas, livros, música, o cinema e obras científicas protegidas; do lado da propriedade industrial, temos as marcas, as patentes, o software -que é uma proteção híbrida entre patentes e direitos autorais, mas no Brasil é protegido pelos direitos autorais-, temos a proteção aos cultivares, que se refere à biotecnologia, que tem uma lei própria e a proteção se dá pela Embrapa, um centro de excelência mundial. Na questão das patentes, temos a marca, que vem de séculos com os comerciantes, que identificavam seus produtos para indicar procedência, qualidade e conferir valor aos produtos. Por que você prefere comprar determinada marca de perfume, alimento, biscoito, refrigerante, em relação a outros? A lei define três tipos: nominativas, que são os nomes em si; figurativas, que são as imagens, sem nenhum nome; as mistas, que são compostas de logotipos com nome; coletivas, como a Unimed, por exemplo. Temos as indicações geográficas de procedência, como Champagne, na França. Temos as marcas tridimensionais, como o frasco do perfume Chanel, que é um caso clássico famosíssimo. Há vários tipos de marcas e elas podem ser registradas perenemente, eternamente. A Granado, por exemplo, que é uma marca brasileira antiquíssima de antisséptico. Assim como a Coca-Cola, que traz várias proteções à propriedade intelectual interessantes. Não fosse o Pemberton, a pessoa que dinamizou a Coca-Cola, não teríamos o engarrafamento de várias bebidas hoje em dia na forma como o conhecemos. Para enviar a Coca-Cola de Atlanta a Chicago, eles foram desenvolvendo a embalagem de forma a que não explodisse. Isso é um invento; depois, tem o nome Coca-Cola. A fórmula é uma outra forma de proteção de propriedade intelectual, que é o segredo industrial, que não é patenteado: o fabricante guarda o segredo. O da Coca-Cola é o famoso xarope. Na questão das patentes, você protege uma marca fazendo uma busca, para saber se ela já existe. Se não existir, efetua o depósito. Se a empresa é fabricante de roupas, ela não pode pedir para efetuar uma marca para biscoito ou para pão: tem de ter nos objetivos da empresa a fabricação daquilo que se quer proteger. Uma marca demora em torno de dois anos a ser registrada. O Brasil, ao contrário das patentes, é um dos maiores depositantes industriais de marca. Já fomos o terceiro e ficamos entre o primeiro e o quinto lugar em depósitos mundiais de marcas.
Theo Carnier: Por que estamos tão à frente em marcas e tão atrás em patentes?
Paulo Roberto Toledo: Porque em marcas o processo é mais simples, mais rápido e não há necessidade de tanto conhecimento técnico. Para proteger, depositar uma patente, há necessidade de ter um engenheiro, ou um químico, um físico ou um técnico, junto com o advogado -ou sozinho- para que seja feita corretamente a descrição do objeto de uma patente.
Milton Paes: É por isso que fica mais fácil para as universidades esse processo, já que quando eles desenvolvem algum estudo, o registro de patente envolve todo esse corpo técnico.
Paulo Roberto Toledo: Sim, as universidades também têm na área de pesquisa. À medida que as universidades vão buscando aplicação técnica das pesquisas, são geradas as patentes. O que não pode acontecer é que as universidades substituam o papel da iniciativa privada, o papel das empresas, sejam estatais ou não, para a aplicação da patente. Porque a função da universidade é educar, não gerar riqueza; no sentido de produção, industrialização, cabe às indústrias. Se analizarmos um país que tem uma similaridade com o Brasil na questão de riqueza, que é a Coreia, ela deu um passo gigantesco na área da educação nos últimos 20, 30 anos e, em consequência disso, um grande passo na geração de tecnologia e grandes empresas coreanas que geram tecnologia. Hoje nós todos conhecemos carros coreanos, equipamentos, televisores coreanos de luxo, e empresas coreanas que atuam em todas as áreas da tecnologia.
Milton Paes: Como funciona esse processo? Quando ele é feito no Brasil, vale para o mundo inteiro?
Paulo Roberto Toledo: Sim. Para você proteger uma patente mundialmente, há prazos legais. A legislação de patentes é muito similar em todo o mundo. Quando você deposita uma marca, você faz a busca, a marca é publicada; se sofrer oposição, vai para julgamento, em que será indeferida ou deferida; se for deferida, paga-se o decênio e sai a concessão da marca. Isso leva quase dois anos. Para a proteção da patente, faz-se uma busca naquele campo tecnológico para saber se ele existe ou não, se existe similaridade com outros objetos ou processos, e, a partir disso, a patente é depositada. Ela fica em sigilo durante dezoito meses, período durante o qual ela não é publicada. Passado esse período, ela é publicada e o inventor tem o prazo da data de depósito para requerer o exame técnico da patente, que é a confrontação de documentos de patente existente -no banco de dados do Inpi ou nos bancos de dados mundiais- com a tecnologia que está sendo reivindicada. Se este relatório estiver corretamente descrito, se a patente estiver corretamente descrita e se não for encontrada nenhuma patente ou objeto similar àquele que foi reivindicado, ela vai para deferimento e concessão. O cerne, o coração da patente, são as reivindicações. O que se está protegendo? Por exemplo, um carro movido a água. O carro já existe, o que não existe é o motor a água. Essa reivindicação no relatório, que é o coração da patente, é que tem de ser muito bem feita, por isso a importância de engenheiros, físicos, biólogos, para escrever corretamente a patente.