terça-feira, 11 de janeiro de 2011

AstraZeneca aposta na descoberta de medicamentos


Em vez de aquisições e diversificação, o laboratório farmacêutico AstraZeneca está determinado a descobrir novos medicamentos em seus próprios laboratórios.

Certo dia de outubro, enquanto almoçava carne com batatas, no centro de pesquisas da companhia, em Estocolmo, o executivo-chefe da farmacêutica, David Brennan, submeteu seis gerentes de desenvolvimento do grupo a um verdadeiro interrogatório, a respeito de receios levantados por um cientista. Durante encontro na prefeitura naquela manhã, o pesquisador recém-recrutado havia dito a Brennan não ter liberdade para ir atrás de ideias incomuns como teria no setor acadêmico. Brennan queria saber por que isso ocorria. É que ele tem mais motivos do que a maioria dos executivos de farmacêuticas para querer que seus cientistas estejam satisfeitos e sejam produtivos.

Enquanto GlaxoSmithKline, Sanofi-Aventise outros concorrentes expandem-se em áreas como aerossóis antipulgas e bebidas energéticas para compensar a desaceleração da receita com remédios, a AstraZeneca atem-se a apenas um negócio: desenvolver medicamentos inovadores o suficiente para poder cobrar preços mais altos.

Apostar na descoberta de remédios é arriscado. O setor passa por uma longa estiagem: os 15 produtos atuais mais vendidos ganharam aprovação há pelo menos seis anos, segundo a IMS Healthe Bloomberg. Mais da metade das vendas de US$ 32,8 bilhões da AstraZeneca é obtida com remédios que poderão enfrentar a concorrência de genéricos até 2014. Nos últimos três anos, o desempenho da empresa em conseguir aprovações de drogas nos EUA e União Europeia foi um dos piores entre os grandes laboratórios, segundo dados compilados pela rival Novartis. "Vamos descobrir como atravessar isso", diz Brennan, ex-jogador de defesa de futebol americano.

Mais da metade das vendas da AstraZeneca é obtida com remédios que vão concorrer com os genéricos até 2014

Os investidores mostram-se céticos. As ações da AstraZeneca são negociadas a uma cotação 7,1 vezes maior que o lucro estimado, menor valor relativo entre as maiores farmacêuticas do mundo. A suíça Roche, que obtém cerca de 20% das vendas com testes de detecção de doenças e a Johnson&Johnson, com quase 70% da receita com aparelhos médicos e bens de consumo, exibem valores maiores, reflexo da diversificação, além do negócio dos remédios, caracterizado pelo "tudo ou nada".

O comprometimento de Brennan com a pesquisa vem desde seus tempos na Merck, quando a americana dominava as descobertas mundiais de novas drogas. Ele juntou-se à Merck em 1975 como vendedor, aos 21 anos, na época em que os laboratórios da companhia desbravavam novas formas de tratar a hipertensão e o colesterol. "Foi isso que David viu acontecendo", diz P. Roy Vagelos, que comandou a divisão de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Merck e, depois, quando se tornou executivo-chefe, promoveu Brennan para chefiar o novo projeto de colaboração com a sueca Astra.

Enquanto os pesquisadores de hoje entendem melhor as doenças por causa das inovações em genética, as farmacêuticas exibem sucesso limitado em traduzir esses avanços em novos medicamentos no tratamento de doenças cardíacas, dores ou câncer. As autoridades reguladoras também exigem mais medidas de segurança, depois de vários remédios de altas vendas terem acabado se mostrando mais perigosos do que se imaginava.

Apesar do vento contrário, o compromisso de Brennan com P&D como motor de crescimento vem tornando a AstraZeneca um ímã para a comunidade científica. Quando buscava alguém para revigorar seus laboratórios, Brennan recrutou Menelas Pangalos como chefe de pesquisas de drogas em estágio inicial. Pangalos ajudou a criar uma das principais linhas de medicamentos experimentais na Wyeth, comprada pela Pfizer, e trouxe Martin Mackay, chefe de pesquisa mundial da Pfizer, para ser presidente de P&D do grupo.

Brennan reviu cada passo do processo de desenvolvimento, encolheu o alcance das pesquisas para centrar-se em áreas promissoras, como diabete e câncer, e fechou algumas instalações, para gerar economias anuais de US$ 1 bilhão até 2014. Para ter êxito, terá de consertar as operações de P&D, após fracassos recentes. Em dezembro, desistiu de prosseguir com o desenvolvimento do motavizumab, para doenças respiratórias infantis, após uma comissão nos EUA ter emitido parecer contrário à droga. Em maio, testes mostraram que o Recentin não melhorava as perspectivas de pacientes com câncer de cólon. E em junho, a Agência de Remédios e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) dos EUA não aprovou o Axanum, para úlcera. Entre 2006 e 2008, quatro remédios contra diabete e para tratamentos cardiovasculares não conseguiram passar nos testes finais.

O compromisso da companhia com P&D para crescer tornou a AstraZeneca um ímã para os cientistas

Em dezembro, a AstraZeneca não conseguiu aprovação para vender o Brilinta, produto experimental mais importante da companhia, na União Europeia. O anticoagulante mostrou ser mais efetivo em estudos do que o Plavix, da Sanofi-Aventis e Bristol-Myers Squibb. Em 17 dezembro, a FDA não quis aprovar o remédio, argumentando que queria análises adicionais de um estudo que comparava os dois produtos.

Assim como seus concorrentes, a AstraZeneca testa novas formas de organizar as pesquisas para melhorar sua produtividade. Enquanto a receita "flutuar" até 2014, a empresa prevê receita entre US$ 28 bilhões e US$ 34 bilhões/ano até 2014, período em que perderá a patente de seus dois remédios mais vendidos, o antiácido Nexium e o antipsicótico Seroquel. Em 29 de junho, um juiz americano determinou que a patente do Crestor, para tratamento de colesterol, da AstraZeneca, será válida até 2016. A decisão protegeu vendas de US$ 2 bilhões nos EUA. A empresa pretende submeter a droga dapagliflozin, contra diabete, para aprovação nos EUA e UE, no início de 2011, e pode conhecer a decisão da FDA sobre o vandetanib, para casos avançados de um raro câncer de tiroide, até o dia 7 de janeiro.

Brennan convenceu o conselho de administração do grupo de que a empresa deveria se ater a desenvolver remédios, diz Jane E. Henney, uma das diretoras que o escolheu como sucessor de Tom McKillop em 2005. "É o caminho que escolhemos. Apenas a história poderá julgar se estávamos certos."