terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ação antigenéricos


Na tentativa de barrar uma segunda onda de genéricos no Brasil, a indústria farmacêutica tem usado o Judiciário para esticar artificialmente a validade das patentes de medicamentos de marca, impedindo o lançamento de produtos concorrentes com preços mais baixos.Tramitam no país 109 ações pedindo a extensão de monopólios, uma corrida que, para o governo e órgãos de defesa da concorrência, tem sido pautada pelo oportunismo comercial. Depois de deter a exclusividade na fabricação por até 20 anos, as empresas abrem processos de “última hora”, beneficiando-se do tempo que os tribunais levam para julgar os casos. E recorrem a várias outras práticas para atrasar a concorrência.

O Ministério da Saúde calcula que as patentes encarecem em até R$ 800 milhões anuais sua cesta de remédios de alto custo. A lista tem 44 produtos, dos quais 30 são de produção exclusiva e custam por ano R$ 1,910 bilhão.

A economia seria de R$ 533 milhões se fosse aplicado sobre eles o desconto mínimo de 35%, obrigatório por lei para os genéricos. Deduzido o percentual de redução médio apurado no mercado sobre um grupo de genéricos recémlançados, de 47%, o valor alcança R$ 808 milhões.

— O uso abusivo de patentes é moralmente inaceitável. Impede o acesso à saúde — reclama o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães SDE prepara pente-fino no setor

O impasse jurídico, por si só, desencoraja a indústria de genéricos de produzir até o julgamento definitivo pela Justiça. Mesmo que não ganhe no mérito, o detentor da marca acaba ganhando a prorrogação “de fato”. Há casos em que o fabricante abre vários processos para discutir o futuro de um único produto, reclama a exclusividade sobre substância que sequer tem patente ou mesmo importa regras que não constam da legislação brasileira. A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) abriu cinco investigação sobre quatro laboratórios por suspeita de abuso do direito de petição no Judiciário. E prepara um pente-fino em todo o setor.

Em jogo, um mercado bilionário, que enche os cofres de multinacionais e empobrece a saúde pública. Entre 2010 e 2012, cerca de 30 medicamentos cairão em domínio público no país, provocando a chamada segunda leva de lançamentos, após a introdução dos genéricos nas farmácias, em 2000.

Nas contas da Pró-Genéricos, associação que representa os nove grandes produtores desse segmento, essa lista rende por ano cerca de R$ 3 bilhões aos detentores dos monopólios.

Levantamento do GLOBO sobre 78 das 109 ações em tramitação mostra que, em pelo menos 32 casos, não houve o julgamento definitivo, mas a data fixada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão do governo que regula as patentes, já expirou. O laboratório ganhou com isso, a despeito do resultado. Cada dia pode representar milhões em caixa.

Um exemplo é o Elidel (para tratamento de eczemas e dermatites), um dos produtos mais rentáveis da Novartis.

A patente venceu em novembro do ano passado, mas a ação, no STJ, prossegue.

Em um ano de prorrogação, nenhum genérico apareceu no mercado.

Nas farmácias, o tubo mais barato do creme custa cerca de R$ 150.

— Nessas ações, não há nada que beneficie a coletividade. O INPI definiu um prazo, e a extensão na Justiça só favorece interesses econômicos privados — critica o procurador do instituto, Mauro Maia.

A maioria das ações corre no Rio, onde o INPI tem sede. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), tramitam 31, em grau de recurso. Recentemente, houve decisões importantes, como as que asseguraram genéricos para o popular Viagra e o Lipitor, um dos mais usados para controle do colesterol. A expectativa do instituto é de que se crie precedentes favoráveis. Diante dos impactos sociais, o órgão pediu prioridade nos julgamentos da corte.

Entre a primeira e a última instância, uma decisão pode levar 12 anos.

— Há caso em que o laboratório deixa para pedir a extensão no último dia da patente — conta Maia, citando ação da Sanofi Aventis.

A exclusividade de um remédio para insônia, que ainda não havia sido lançado no país, vencia em 2 de dezembro de 2008, quando o processo judicial foi aberto. A “coincidência” levou o INPI a mover ação por litigância de má-fé contra a empresa, que foi condenada, mas reverteu a decisão em 2ainstância.

O instituto vai recorrer.

A Sanofi é alvo de dois dos cinco casos sob investigação da SDE por suposto abuso do Judiciário. Num deles, referente ao Plavix (anticoagulante), a patente venceu em 2007, mas continua sub judice.

A Pfizer detém até hoje a exclusividade da produção do Geodon, para tratamentos psiquiátricos, embora a patente original tenha expirado em 2 de março de 2007. A ação judicial que pede extensão para 2012, ainda pendente, foi distribuída quatro dias antes, segundo o INPI. Uma caixa com 30 cápsulas de 40 mg custa R$ 285.